A bola, a chincha a saltar, fosse de bexiga do porco, meias rotas da minha tia, borracha, e até de catechu e couro, a guarda atrás da canalha que no terreiro e avenida, de socos e descalços, queriam ser os reis da bola que a tsf lhes dava a conhecer. O Monte de Prado era o palco do tira-teimas, onde se arrumavam as discussões da semana no café do Hilário e onde se projectavam as discussões das semanas vindouras. Dia de jogo, pose dos rapazes para o ti Pires guardar na máquina, ultimas recomendações do treinador e vamo-nos a eles que temos de ganhar. De um lado o Tio Miro, acompanhado de Ti Maria Tiborne sua senhora, mais a bota do tinto da Maria do Nau, debaixo dum guarda – sol multicolor a puxarem pelos rapazes. O Tio Miro deixava a voz no monte do prado. E resmungava com o árbitro Nando, chamava nomes à senhora mãe do Zé Breguês quando este apitava. No dia seguinte só falava na Maria do Nau à terceira tigela. Retemperar forças e afiar a garganta, que os rapazes do bombo não demoram. Do outro lado do campo a Tia Lídia sacudia o assador e punha as malgas à mão que o intervalo já não demora e os nossos estão a ganhar. Castanha assada, bolos de bacalhau, gasosa fresca e vinho do Zé Canelas levados às costas pelo Epifânio e o Humberto. O Álvaro, o Zé e o Toninho Cerinha, o Marroto e o Pirolau, o Tonio Regueira, o Toninho Afonso e o Zé Cafetera, o Zé da Dásima e o Fernando Bolas, rapazes da nossa terra, da nossa bola; o Luís Preto feroz nas fintas nos jogos com galegos e alvo das atenções de quem nunca tinha visto cor de pele diferente; o Zé Albano do Carlota com jogadas de craque; O Zé do Gú, defesa direito, que avançava pelo corredor para a meter redondinha nos pés do Piruliscas. Este era o Sport Club Melgacense. E a União Desportiva de Paderne, com o Rui e o Leão na defesa, Pelé no meio campo e o Xancas a marcar livres e mal, a dizer que não é só na Vila que se mexe no esférico. É pena que campos de futebol se transformem em estaleiro de obras, mas quanto a isso quem sou eu para falar? Se é bom para as freguesias do Monte (um abraço Anselmo) … . Recuando umas décadas, o grande Rápido e o maravilhoso Unidos. E o Sporting Clube de Melgaço, filial do Sporting Clube de Portugal, esse grande clube que, como o nome indica, ultrapassa Lisboa e abrange todo Portugal. Encontrei esta informação na página Comemorações do Centenário do Sporting; fiquei de boca aberta, porque desconhecia a existência de tal Clube e tratei de entrar em contacto com o Rui Antoninho, coordenador da página do S C Melgacense, que depois de diligências entre os mais velhos, chegou à mesma conclusão que eu: - Sporting Club de Melgaço, talvez… vou tentar saber. E cumpriu. Para confirmar só me faltava consultar a memória viva do Manuel Igrejas e eis a resposta: “Sporting Club de Melgaço. Numa das várias fases futebolísticas na nossa terra, nos anos quarenta, formaram-se os grupos Rápido e Unidos. O Rápido Club Melgacense era composto pelos remanescentes dos grupos anteriores, União, Atlético e Sport e alguns novatos. O Unidos Futebol Club em sua maioria eram rapazes saídos da puberdade, daí mais fogosos e habilidosos que sempre venciam, para meu desgosto, pois os atletas meus familiares, Gú e Carriço eram do Rápido. Para tentar mudar a condição de perdedores o Rápido trocou o nome para Sporting e filiou-se ao Sporting Club de Portugal. As camisolas originais às listas verdes e brancas na vertical, que tinham sido as do União, passaram a ser na vertical como as da matriz. O facto de filiar-se ao Sporting deveu-se a imposição do Presidente e Vice-Presidente, irmãos, Zeca e Juca do Aurélio, contra vontade dos elementos portistas, meu irmão Augusto (Gú) e teu pai Alberto (Carriço) e outros, mas naquela época o Sporting era o maior Clube do país, campeão uma porção de anos seguidos. O Porto, depois dos sucessos do final dos anos trinta caiu muito. Lembro do Fernando da Cortiça que para nos aborrecer dizia que o Porto era o melhor grupo da província. Curiosidade: o emblema do Rápido era da minha autoria. E o nome do Rápido tem uma origem algo aparolada. Naqueles anos começou a chegar a Monção um comboio rápido denominado Flexa de Prata. Como havia pouco que comentar o tal comboio era tema para tudo. Nas vilas vizinhas achavam que tal progresso também lhes pertencia e se vangloriavam, também Melgaço, embora fosse o adversário natural. Não havia jogo ou qualquer ajuntamento entre melgacenses e monçanenses que não acabasse em pancadaria. Houve barulhos (brigas) memoráveis comentadas durante anos. Ouvi contar que um domingo apareceu em Melgaço uma camionete de excursão, de Monção. Os ocupantes desembarcaram na Calçada e desceram em marcha rua Nova de Melo abaixo, exibindo aqueles bonecos em cima duma cana que accionados por um arame encostam um no outro, no compasso duma canção que entoavam, menosprezando Melgaço. O acidente não ficou sem resposta: na altura do terreiro já um grande número de rapazes munidos de varapaus desancaram os atrevidos provocadores. Devia ter acontecido no início dos anos trinta pois devia ter eu cinco ou seis anos quando comecei a ouvir esse caso. Pois o comboio rápido que então representou grande progresso, serviu para nome do grupo de futebol melgacense. Na mesma época os rapazes de Monção formaram um grupo de futebol com o nome de Flexa de Prata”. Voltando ao futebol em Melgaço: na mesma época do Rápido e Unidos, o Manuel Macarrão que tinha sido jogador nos anos vinte, estava de regresso à terra após ter sido motorista noutros locais, fundou o Club Comercial de Melgaço. Os atletas eram quase todos quarentões, sorte do Rápido que conseguiu vencer alguns jogos. O Comercial, pela proveta idade logo feneceu, o Unidos desfez-se pela debandada dos jovens para a tropa ou emigrados. Ficou o Sporting que também não durou muito dando lugar em 1947 ao “Os Vitoriosos” minha maior invenção na terra. Manuel Félix Igrejas
Decidi-me a pesquisar o futebol por estas bandas, exactamente por Melgaço ser o concelho mais ao norte do País. E também por só 3 das suas equipas – e duas delas não passando as 2 presenças – terem estado no futebol oficial (1), em quase 100 anos de competição.Mas descobri coisas peculiares. Vou aqui partilhar esse saber, se para tanto me chegar a verve.A segunda década do século passado, já nos vai dando notícias do futebol por aqui. Não que houvesse alguma equipa filiada, que isso só iria acontecer em 1973, quando o Melgacense se filiou, teve um campo novo, e passou a jogar os distritais. Fez até o seu primeiro jogo em Valença, e perdeu por 4 a 2. Jogava-se uma Taça de Preparação.Mas isto é o arranque do futebol oficial. E nos anos que antecederam esta data? Não houve futebol?Houve, variado e emotivo. Jogava-se então no campo do Monte Prado, local de baldios requestados (a Igreja e a Autoridade Administrativa discutem a sua gestão). Mas o campo ficava longe, e os jornais locais, reflectindo a opinião generalizada, empenham-se na construção de um novo. Incentivam a Câmara a tomar a iniciativa, e fazem-se planos. Muitos planos. Levantamentos topográficos até, como se relata na Voz ou no Notícias. De Melgaço. Mas o campo nunca se faria. Neste entretanto surgem novos clubes e criam-se algumas rivalidades. Terão sido sadias, pois os jornais não dão conta de atritos.Como atrás disse, o primeiro clube a surgir é o Sport Melgacense. 1925 é a data da sua criação. Sem dúvidas, como atesta o Notícias local. Inactivo logo depois de ser criado, eis que ressurge no início dos anos 30. Logo após, teria a companhia do Atlético Melgacense, da União Artística e do Grupo Desportivo Os Leões.Mas os tempos eram difíceis, as estradas muito más, e as solicitações para manter os clubes (a sede era nestas alturas local indispensável para juntar os sócios e fazer receita com bailes e bares) depressa levavam à sua inactividade. Foi o que aconteceu logo nos finais da década.Haveria de voltar o futebol em meados de 40, e logo com 4 equipas:Sporting de Melgaço, Vitoriosos, Comercial, Rápido, e Os Unidos. Foram tempos de muita actividade, e intenso movimento no Monte de Prado, mas voltou a inactividade no princípio dos anos 50.Foi o cimento para o novo e definitivo ressurgimento do Sport Clube Melgacense, que ainda hoje passeia as suas cores pelos campos nacionais.Mas nos quase 100 anos que o futebol leva por aqui, apenas 3 equipas do concelho estiveram no futebol oficial. E duas delas fizeram-no de forma efémera. Mas vamos começar pelo princípio.Foi o precioso auxílio de 2 jornais da terra, O Notícias e a Voz de Melgaço, que nos guiaram nesta viagem pela história. Tudo começa em 1921, quando se começa a publicar o Notícias de Melgaço.A edição de 8 de Março de 1925 (pg 2), abre aquilo que parece ser o princípio do futebol por estas bandas. E já era um Sport Clube Melgacense o protagonista. Diz o jornal:“vão começar as obras do campo destinado ao futebol, no lugar do Arronchal, onde antigamente se faziam as feiras de gado.” Nascia o futebol em Melgaço. Pelo menos é isso que o jornal diz, acrescentando ainda que “todo o material necessário, quer para as obras, quer para o jogo, já foi comprado”.Embora não se diga onde, logo a 12 de Abril se anuncia que o Melgacense venceu por 5 a 0 o S. Gregório FC. E logo a 16 de Abril se volta a jogar com os mesmos de S. Gregório. Desta vez o resultado foi de 2 a 1.Mas já então era no Monte de Prado que se jogava. Di-lo o jornal em 20 de Abril, quando anuncia para esse campo um jogo com os vizinhos espanhóis do Fortuna Arboense. A edição de 3 de Maio desse ano, é um profuso retrato do jogo, dos jogadores, dirigentes, e das diligências para aprontar o recinto. Não ficam dúvidas de onde o futebol se fez, e quem o fez.Iniciava-se assim uma intensa e apimentada competição com os vizinhos. Isso mesmo ressalta da carta que o SC Valenciano faz publicar no citado jornal. Invocando algumas incidências em jogo anterior, desfia os de Melgaço para um jogo em campo neutro e regulamentar. Em Monção. Mas desafia ainda o Melgacense a filiar-se na Associação de Futebol, e não recorrer a jogadores espanhóis, que foi o que fez, acusam aqueles, no último jogo. Fervia o futebol por aqui!(ver edição de 26 Julho 1925)Mas o jornal fecha portas em 1926, e só voltaria em 1929. Até 1933 não daria quaisquer novas sobre futebol, pelo que se deduz que este tenha hibernado entretanto.Mas haveria de regressar em 1934. Escreve o NM em 6 de Maio que os rapazes do futebol têm em curso uma recolha de dádivas para reparar o campo no Monte de Prado, e também para equipamento desportivo. E o jornalista remata dizendo-se também do Sporting Clube Melgacense. Mas é erro. Seria o Sport Clube Melgacense que voltava à vida. Sem dúvida que tem mais de sete, como os gatos.Em Junho já se joga, em Espanha, onde o Sport empata. São frequentes os jogos, que o jornal relata, e em Julho no Monte de Prado o jogo com os espanhóis meteu invasão e tudo! Eram quentinhos os jogos por esta altura.Segue então o futebol em Melgaço, tendo sempre como embaixador principal, e desde os anos vinte, o Sport Clube Melgacense. Na história consta 1925 como ano de nascimento. Nunca seria filiado até aos anos setenta, e seria também então que se tornaria oficial, ao legalizar-se, mas a sua vivência é um facto, mesmo com alguns períodos de inactividade. Hoje, está perto dos 100 anos!Mas neste percurso de futebóis, vão aparecendo algumas equipas, dedicadas também ao jogo, mas todas não filiadas, e portanto sem actividade regular. Mas foram períodos de diversidade, e alguns até com várias equipas em simultâneo. Os anos finais de 40 foram disso exemplo.Mas fica aqui ainda uma citação aos palcos de jogo. Desde sempre se jogou no Monte Prado. Hoje tem até um excelente Centro de Estágios, na vizinhança de um Hotel que lhe serve de apoio. Foi um regresso às origens, para quem fez um desvio de 1973 a 2001, que foi o período de utilização do campo municipal Dr. Sidónio Soares de Sousa, que hoje é zona residencial.